domingo, outubro 23, 2016

How attractive, how delectable, the prospect of intimacy is, with the very person who will never grant it.

(Alice Munro, "The Turkey Season")

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

No comboio Porto-Aveiro, uma leitora folheou "Espaço do Invisível 3", de Vergílio Ferreira, antes de o guardar na mala e começar a ler outro livro, que não consegui identificar.

domingo, outubro 16, 2016

SETSUKO HARA (1920-2015)

(Obituário escrito por mim e publicado originalmente na revista LER.)


A actriz Setsuko Hara (1920-2015), que desapareceu a 5 de Setembro [de 2015]  (o anúncio surgiu mais de dois meses depois), participou pela última vez num filme em 1962, mas perdurou na memória dos cinéfilos graças sobretudo aos filmes que Yasujiro Ozu realizou entre 1949 e 1961. Nestes, a sua personagem é quase sempre uma mulher inteligente, sensata e activa, mas condicionada por conflitos entre gerações ou por situações familiares complexas. Representar personagens positivas e gentis pode ser uma vantagem aos olhos da posteridade, mas a explicação para o facto de Hara ser tão recordada e chorada mais de meio século depois da sua última aparição não se pode resumir a isso. Como escreveu Miguel Esteves Cardoso, a propósito da literatura: não basta escrever bem sobre coisas belas e moralmente defensáveis: convém também ser-se boa pessoa. Hara pertencia àquele rarefeito conjunto de actrizes que dão corpo a personagens plenas de uma humanidade sereníssima e que o fazem esplendidamente (porque é também de um talento assombroso que se está aqui a falar). Quanto à pessoa, essa remeteu-se à reclusão quando abandonou o cinema, mas deixou atrás de si uma presença humana que transcende os filmes e os anos e que condensa toda a decência, doçura e verticalidade que o cruel século XX teve para oferecer. Setsuko Hara foi a amiga, a irmã, a filha, a mãe, a mulher e a amante que todos julgamos, muito lá no fundo, poder vir a merecer. Os minutos finais de Viagem a Tóquio (1953), e em particular a cena em que Hara e o (também imenso) Chishu Ryu, de três quartos, parecem trespassados pelos cabos eléctricos omnipresentes nos filmes de Ozu, são momentos em que se percebe que o cinema é afinal uma maneira de tocarmos e olharmos de frente esse estranho fenómeno que se chama estar vivo no mundo.

terça-feira, outubro 11, 2016

OFÍCIO

Os poemas que não fiz não os fiz porque estava
dando ao meu corpo aquela espécie de alma
que não pôde a poesia nunca dar-lhe

Os poemas que fiz só os fiz porque estava
pedindo ao corpo aquela espécie de alma
que somente a poesia pode dar-lhe

Assim devolve o corpo a poesia
que se confunde com o duro sopro
de quem está vivo e às vezes não respira

(Gastão Cruz, "Escarpas", Assírio & Alvim, 2010)

quarta-feira, outubro 05, 2016

5 DE OUTUBRO

O 5 de Outubro de 2016 possui um sabor especial porque é a primeira vez que a data é celebrada com feriado nacional, como deve ser, depois do período negro durante o qual este e outros três feriados estiveram abolidos. Esse acto vergonhoso não deverá ser jamais esquecido. Porém, o que importa hoje é recordar e homenagear os heróis que, precisamente há 106 anos, puseram fim a quase oito séculos de reis, reizinhos, dinastias e crises sucessórias e lançaram as fundações do Portugal moderno. Viva a República!