quarta-feira, julho 31, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Em plena Avenida de Roma, uma leitora lia o "Jornal de Letras", em regime ambulatório. Regra geral, os periódicos não são elegíveis para esta rubrica, mas resolvi abrir uma excepção neste caso por uma pletora de razões.

Na sempre fiel linha verde do metropolitano, um leitor brandia a edição da Guimarães da "Antologia da Páginas Íntimas" de Kafka, deixando no ar a ideia de que a estivera a ler.

Numa ocasião separada, na mesma linha, uma leitora lia "O Cão Amarelo", de Martin Amis.

Indiferentes ao desfile de vaidades e podridões que os rodeia, os leitores em lugares públicos continuam a entregar-se à sua inclinação, que é também uma missão das mais nobres.

quinta-feira, julho 25, 2013

PÉROLAS DA PARIS REVIEW

INTERVIEWER: Are your characters trying to do what matters?

RAYMOND CARVER: I think they are trying. But trying and succeeding are two different matters.

(...)

RAYMOND CARVER: Any writer worth his salt writes as well and as truly as he can and hopes for as large and perceptive a readership as possible. So you write as well as you can and hope for good readers.

(The Paris Review Interviews, Vol. 3)

terça-feira, julho 23, 2013

DESVIANTES E PERVERSOS

Portugal tornou-se um paraíso mundial de comportamentos desviantes e perversos.

Quem o diz é João César das Neves, e como sempre tem toneladas de razão. Só hoje, no caminho entre minha casa e a estação de metro, deparei com dois casos de zoofilia (um deles, por sinal, particularmente escabroso tendo em conta a espécie envolvida), um fetichista de mãos, um outro de pés, um exibicionista, uma ninfomaníaca e ainda um cidadão que se entregava a actos aviltantes com um melão pele-de-sapo.

No verão de 2006 não se via nada disto. Era tudo gente serena e canónica nas suas inclinações. As leis laxistas aprovadas pelos fanáticos que ocupam a Assembleia trouxeram-nos para este lamaçal moral onde todos patinhamos.

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Um leitor lia um livro de Jorge Luis Borges enquanto esperava na fila para o autocarro da empresa "Mafrense". Foi no terminal de camionetas do Campo Grande. Pareceu-me que o livro era "O Relatório de Brodie", mas não consegui tirar a limpo.

Um leitor em lugares públicos é um peão numa batalha sem fim. Todos os minutos contam!

domingo, julho 21, 2013

TURISMO CINÉFILO

Ao folhear o "Guide du Routard" dedicado a Lisboa, deparo com um parágrafo relativo ao cinema português. São citados Manoel de Oliveira, João César Monteiro, Pedro Costa, Teresa Villaverde, Manuela Viegas, Joaquim Sapinho e João Pedro Rodrigues, entre outros. O apego dos franceses pelo cinema manifesta-se das maneiras mais inesperadas.

NÃO RECONCILIADOS

Desconfio sempre dos apelos ao consenso. Por mais repletos de boas intenções que estejam, costumam soar em demasia a tentativas de manter o status quo e de fazer prevalecer uma linha de pensamento ou acção, supostamente merecedora de aprovação consensual, em detrimento de outras. Esse tal pensamento ou essa tal acção, na óptica destes patrióticos e responsáveis apelos à concórdia, seriam por definição partilhados por todas as pessoas de bom senso e só o espírito de facção leva a que alguns façam finca-pé em posições heterodoxas.

A crise política que atravessou as últimas semanas, com epicentro em Belém, São Bento e Largo do Caldas e sucursal nas Ilhas Selvagens, encaixa em pleno neste figurino. (Uso o tempo presente, mas não duvido de que o Senhor Presidente da República se encarregará de pôr cobro à crise com uma comunicação sábia e certeira, hoje mesmo, às 20h30, tempo médio de Greenwich.)

A democracia implica a coexistência de opiniões diversas. Pretender que essa diversidade deve ser anulada em nome de um rumo comum é falacioso e perigoso. Acenar com o carácter excepcional da situação pode ser um eficaz meio de coerção, mas não representa um argumento real. Ainda que com fortes constrangimentos, ainda que sob um programa de assistência, governar Portugal pressupõe ainda fazer política e implica escolhas. E quem se responsabilize por essas escolhas, como é óbvio.

É nestas ocasiões que mais sinto vontade de ver filmes de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub.


sábado, julho 20, 2013

O ENIGMA NÃO EXISTE

Já há quem cite Wittgenstein a propósito da crise política, neste caso o ex-ministro Rui Pereira. Pergunto-me se isto é bom ou mau sinal.

O enigma não existe.
Se se pode de todo fazer uma pergunta, então também se pode respondê-la.

(L. Wittgenstein, "Tratado Lógico-Filosófico", 6.5, tradução de M.S. Lourenço, Fundação Calouste Gulbenkian)

sexta-feira, julho 19, 2013

NO BOM CAMINHO

No melhor dos caminhos, digo eu.

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Na linha vermelha do metropolitano, um leitor cedeu ao sono quase imediatamente após ter começado a ler "Uma Viagem à Índia", de Gonçalo M. Tavares.

Na linha verde, uma leitora lia "The Great Gatsby" na versão original.

E se a Salvação Nacional acontecesse por obra e graça dos leitores em lugares públicos?

segunda-feira, julho 15, 2013

SÓ O CINEMA

"Éloge de l'Amour", de Godard. Revejo-o por necessidade, por compulsão. De cada vez, sinto-me como se tivesse aprendido coisas novas sobre o filme e sobre a vida - mas também como se aquilo que desaprendi e deixei de perceber pesasse mais, muito mais, no outro prato da balança. A perplexidade é um exercício duro e demorado. Toda a ajuda é bem-vinda.

Mas este afinal é um filme que nos fala da ambição mais simples de todas - a de ser adulto. A mais simples e a mais desmesurada. Porque um adulto não é coisa alguma - como é dito no filme. Edgar pode ser o único homem que tenta ser adulto (no filme ou na vida?). Isso não faz dele um exemplo a seguir. Implica apenas que está a caminho de se tornar invisível. Nessa altura, o problema ficará resolvido.

Talvez volte a escrever sobre este filme. Ou talvez não. Não importa.




domingo, julho 14, 2013

14 DE JULHO

A Bastilha caiu há 224 anos. O mundo mudou. Levou tempo, mas mudou. E para muito melhor, mau grado todos os avanços e recuos e todos os desvarios da natureza humana que não olham a contextos históricos.

Imagem retirada daqui.

sábado, julho 13, 2013

PÉROLAS DA PARIS REVIEW

JOYCE CAROL OATES: The thought of dictating into a machine doesn't appeal to me at all. Henry James's later works would have been better had he resisted that curious sort of self-indulgence, dictating to a secretary.

(...)

JOYCE CAROL OATES: Generally I've found this to be true: I have forced myself to begin writing when I've been utterly exhausted, when I've felt my soul as thin as a playing card, when nothing has seemed worth enduring for another five minutes... and somehow the activity of writing changes everything.

(The Paris Review Interviews, Vol.3)

quarta-feira, julho 10, 2013

COMO ESTÃO AS COISAS

"The Sun Woman II", Lee Krasner, 1958.

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Leitora na carruagem do metropolitano, de pé, lendo livro (não identificado) de Orhan Pamuk.

Leitora na plataforma da estação do Campo Grande, subsequentemente na carruagem e novamente fora dela, de pé, lendo "Amor de Perdição".

A linha verde: onde os clássicos e os contemporâneos se encontram!

sábado, julho 06, 2013

ESCOMBROS

Os leitores mais ou menos fiéis deste blog sabem que a política nacional é aqui um tema tratado de forma esparsa, se não mesmo bissexta. A semana alucinante que o país acabou de viver, apesar da intensidade das emoções, não foi de molde a encorajar-me à prolixidade. Não é que não haja muito para dizer; certamente que HÁ muito para dizer. Sucede que esse muito que há para dizer já foi sendo dito, com várias gradações de incredulidade e escândalo, por batalhões de comentadores e pelas redes sociais. O que resta são escombros, inqualificáveis e indescritíveis, os escombros da credibilidade de que este governo ainda usufruía. Os mais militantes, ou aqueles que estão obrigados profissionalmente a comentar e analisar, irão ainda discutir longamente qual foi exactamente a proporção de inépcia, spin, choque de egos, putsch canhestro e estratégia nos acontecimentos da última semana. Por mim, o caso está encerrado. A não ser que o senhor Presidente da República sofra uma convulsão de lucidez, vamos ver perpetuar-se um governo que estará permanentemente à mercê dos humores de um ministro de Estado, sem qualquer garantia de estabilidade, resultante de uma espécie de tratado de Tordesilhas cozinhado à pressão e sob chantagem.

Acrescento apenas isto, redundante mas demasiado chocante para passar em claro. Tendo acompanhado a vida pública de Paulo Portas ao longo de mais de 20 anos, acreditava ter formado uma ideia aproximada do que ele era capaz, mas eis que ele se ultrapassa. Chega a ser arrepiante, para além de ofensivo para o pudor, presenciar os extremos de ignomínia e falsidade que uma pessoa atinge para satisfazer a sua ambição de poder. Apetece formular a pergunta fatídica: «Como é que ele consegue dormir»? Mas não me parece que se justifiquem inquietações acerca da qualidade do sono do futuro vice-primeiro-ministro.

PÉROLAS DA PARIS REVIEW

JOHN CHEEVER: The legend that characters run away from their authors - taking up drugs, having sex operations, and becoming president - implies that the writer is a fool with no knowledge or mastery of his craft.

(The Paris Review Interviews, Vol.3)

PÉROLAS DA PARIS REVIEW

INTERVIEWER: Do you have a particular interest in psychology?

HAROLD PINTER: No.

("The Paris Review Interviews", Vol.3)

quarta-feira, julho 03, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

"O Príncipe", de Machiavelli, lido de pé por um passageiro da linha verde do metropolitano, decerto plenamente ciente de como a sua leitura em lugar público se adequa aos tempos que vivemos.

segunda-feira, julho 01, 2013

DEVE & HAVER

Ora então vejamos.

Num dos pratos da balança:
  • Insistência inflexível na austeridade, para lá de tudo aquilo que o memorando impunha, com efeitos recessivos profundos à medida de multiplicadores barbaramente subestimados.
  • Desvios sucessivos entre as previsões e a realidade, em todos os indicadores: défice, desemprego, PIB, receita fiscal.
  • Dois orçamentos inconstitucionais dois.
  • Rácio dívida pública/PIB sempre a crescer, apesar das doses cavalares de austeridade.
  • Uma economia de rastos.
  • Cinismo e insensibilidade no discurso: pode começar-se o florilégio por "Não fui eleito coisíssima nenhuma" e ir por aí fora, sem receio de que falte o material.
 No outro prato da balança:
  • Uma dicção irrepreensível.
  • Dizem que tinha muitos amigos lá fora e que transpirava credibilidade.
Só a História é capaz de julgar os políticos, mas penso que será pedir demais à musa Clio um balanço do mandato do Prof. Vítor Gaspar que não seja desastroso.

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Leitora a ler "Crime e Castigo". Na linha verde do metropolitano, os clássicos nunca deixaram de estar na moda e nunca deixarão de estar!

FONTES

No Diário de Notícias:

SAÍDA DE GASPAR PROVOCA AUMENTO NAS TAXAS DE JURO DE PORTUGAL

com link para o Dinheiro Vivo, onde afinal de contas se lê

JUROS DA DÍVIDA MANTÊM-SE ESTÁVEIS APESAR DA SAÍDA DE GASPAR

Ou de como vale sempre a pena ir consultar as fontes.